quinta-feira, 24 de novembro de 2016

O polarismo no Brasil: uma versão

Às vezes é bom sairmos dos nossos gabinetes de estudo e das tensões do mundo virtual e ver o que está acontecendo lá fora. É importante nos oxigenarmos (ou mesmo intoxicarmos) com o que está acontecendo no mundo. Depois voltarmos para nossos planos individuais e confrontarmos nossas subjetividades com as tensões de lá: como elas acontecem dentro de mim? Como esses outros lá de fora fazem guerras ou festas em mim?

Hoje o dia me serviu para mostrar como as pessoas, até mesmo aquelas que estão numa posição tida como mais crítica e mais objetiva de enxergar a realidade, buscam líderes aos quais possam idolatrar. As pessoas não estão, na maioria das vezes, em busca de um debate no sentido profundo da palavra, discordar pela palavra e não pelo grito. Elas estão em busca de confirmar suas teses já formadas e fechadas. A religião e Deus foram destronados da universidade, mas elegemos outros que não tem esses nomes, mas os tratamos como tais. O caminho entre a afeição intelectual e emocional é curto e se misturam. Não vejo problema nisso até que a afeição emocional torne-se uma paixão cega e incapaz de confrontar o outro. Assim como existem pessoas que tem o ego amaciado e gostam de pedestal. Eu, particularmente, nunca quero ser colocada num pedestal, pois não nasci para ser adorada. Como diz Roxane Gay, no livro Má feminista (2016), “De modo geral, faço merda. Considere-me já como criticada.”. 

Eu vejo no Brasil e no mundo dois projetos de sociedade, dois projetos de mundo caminhando e em disputa. Não estamos vivendo um pluralismo político nos termos da Constituição, estamos vivendo um binarismo mesmo.

Precisamos entender que discurso acadêmico não é tudo. Ciência não é tudo. Nem tudo passa pelo meu currículo extenso, pela ciência ou pela universidade. Há uma vida para além disso e a vida na universidade terá reflexos sociais não só nos nossos cotidianos, mas no de todos. Ciência não é verdade absoluta. Discursos científicos não tem argumentos de autoridade sobre tudo e todos. A ciência não deve ser usada como cassetete sobre os outros. Verdades podem ser questionadas.

O projeto escola sem partido me assusta, mas precisamos notar também que a dura realidade do ensino já é uma censura escancarada. Os professores estão sujeitos todos os dias nas salas de aula pela censura dos celulares, tendo vozes gravadas sem autorização, recortadas, compartilhadas, publicadas; tendo as falas deturpadas; tendo carros arranhados por alunos que recebem notas baixas; sendo expostos em redes sociais; sendo caluniados e difamados fora de sala; sendo pressionados a dar notas para os alunos que não estudam e se sentem injustiçados por tirarem notas baixas; pelos alunos que não se responsabilizam pelo baixo rendimento acadêmico.

Os professores também são censurados em redes sociais nas quais nos encaixam nesses polarismos entre esquerda e direita, ainda que alguns não queiram ser encaixados neles. Nossas redes sociais viraram janelas das nossas vidas profissionais. Sou uma boa ou má professora a partir do que posto no facebook. As linhas são tênues entre vida particular e profissional. A influência que antes era exercida apenas em sala de aula foi ampliada para nossas vidas pessoais.

O mundo e cada pessoa é bem mais complexa do que o “ser contra ou a favor”, “estar de um lado ou de outro”. Há muitas ponderações para além disso! Estamos de tal modo imersos num polarismo político no Brasil que estar num ambiente com pessoas com posições diferentes é impossível. A minha questão é: movemos as mesmas forças e os mesmos gritos a esses outros quando eles são nossos pais? Nossos irmãos? Nossos amigos? Sim, porque cada um de nós vive a própria alteridade dentro de nossas casas. Cada um de nós lida com o oposto no nosso plano microssocial. Todos os dias somos confrontados com o que é diferente ou mesmo oposto. Parece que a vida está exigindo cada vez mais isso de nós brasileiros: confronte sua alteridade.

Eu me preocupo com a onda conservadora no mundo, mas me preocupo também com a intolerância disfarçada de democracia. As duas me assustam.  


O exercício de deparar-se com a alteridade do “estar com”, “falar com” o oposto, tornou-se impossível. E para onde vão esses outros que são vaiados e saem dos auditórios sobre frases de efeito? Para onde vão esses que negamos a oportunidade de fala? O que fazem a partir dali? Que decisões políticas tomam a partir dali? Com que posições vão? Que imagens ficam das universidades? Que tipo de atitude estamos alimentando neles? Que tipo de divisões estamos a fomentar mais ainda? Estamos mandando não passar, mas para onde, meus caros? Fora, para onde? O não lugar não existe. Esses outros que negamos serão sempre a companhia desagradável que vocês terão que conviver. Diante dessa possibilidade, que posturas novas poderíamos adotar? 

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Sou do coletivo das más feministas

A minha posição de fala é de uma feminista branca acadêmica, que milita na escrita e no cotidiano. Quando falo em cotidiano, falo nos embates do dia a dia, na relação com meu marido, nas conversas de família e na sala de aula. Sou uma feminista em processo de desconstrução de preconceitos, de machismos, que não nasceu pronta e que nunca vai estar porque a vida é uma construção. Sou uma feminista que não aceita a designação de cisgênero, pois não preciso de mais uma classificação criada por outros grupos para me enclausurar.

Ouço e leio muitas feministas sugerirem como uma feminista deve ser: devem falar a partir de coletivos feministas, porque é impossível um feminismo solitário, que se faz sozinha. Sinto que recaem hierarquias entre quem faz feminismos na Academia, na escrita, na sala de aula e na internet, como se estes fossem menores em relação aos de rua.


Portanto, minha posição social é de uma má feminista: aquelas feministas que não querem abandonar sua fé, que tentam ser pessoas melhores com a Bíblia, as cristãs; que não procuram o quantum de feminismo na outra, que não tentam criar hierarquias entre nós ou barreiras, que não confeccionam a carteirinha de feminista e ficam tentando ver quem pode ter a credencial para entrar ou não. Sou das feministas que não problematizam tudo porque isso me esgota e eu também preciso viver; que ouvem Beyoncé, Britney Spears, Rihana e se sentem mais empoderadas com isso. Sou daquelas que aproveitam as rebarbas do feminismo apropriado pelo mercado: nas maquiagens, nas músicas, nos filmes. Sou heterossexual, casada com um profissional da segurança pública, com ideias bem diferentes das minhas em alguns aspectos; sou uma feminista que não tem um cotidiano organizadinho como outras manas dizem ter. Enfim, sou do coletivo das feministas reais, falhas, humanas e não daquelas inventadas. 

Ser a professora "mulherzinha"

Desde pequena eu gostava da cor rosa. Quando adulta, isso não mudou. Hoje meu uso da cor é consciente de que não é de mulher, porque cor não tem sexo.



Quando entrei na docência, percebi que muitas alunas disputavam comigo, certas vezes sem saber que estavam disputando. A disputa aparecia na forma de uma antipatia gratuita, nos risinhos entre elas, no incomodo claro de ter uma professora que “tinha cara de aluna” e não “de professora”, como muitas vezes ouvi; nas conversas insistentes durante as aulas, nas batidas fortes na porta, nas fofocas maldosas, nas piadas que eu fingia não ouvir, nos comentários desrespeitosos, no assédio. Não as culpo, pois somos educadas a concorrermos entre nós desde criança. Aprendemos isso nas novelas, nos filmes, nas músicas. É cultural, endêmico. A menina que disputa para ser a mais popular, a esposa que briga com a amante, a namorada que briga com a garota que dá em cima do boy e assim o patriarcado se mantêm, alimentado pela nossa concorrência.



A “tia” faz parte de um universo de escola primária e ela é representada como a moça boazinha, meiga, maternal. Incomum é professora no ensino superior. A sociedade não espera e nem está preparada para encontrar uma mulher na política, na direção de um ônibus, na construção civil e na docência no ensino superior.


Uma das minhas interlocutoras de pesquisa me ensinou algo interessante. Ela disse, a partir de experiência própria, que é difícil ser a mulherzinha em espaços de militância política, nos movimentos sociais, na Academia, em partidos políticos. Você precisaria incorporar elementos que remetem à masculinidade para ser aceita, respeitada (por homens e mulheres): racionalidade, tom de voz por vezes autoritário, falar mais alto que os outros. Preferi pegar o caminho inverso para insistir na ideia de que sim, é possível uma “mulherzinha” nesses espaços. Então, antes era só uma questão de gosto, hoje é uma questão política também, uma política inscrita no meu corpo.




Hoje meu uso da cor rosa é político. Eu me monto com a cor rosa, sapatos de plástico, maquiagens, batons, laços no cabelo. Espera-se de um professor que ele seja homem, mais velho, estritamente racional e distante dos alunos. De mim podem esperar uma professora com cara de menina (porque isso, por mais que eu tente, não posso mudar), meiga (porque jeito também é difícil de mudar e eu prefiro a meiguice do que a dureza de personalidade), sorrisos soltos, gentilezas, uma mulher que usa pastas de bolinhas. Insisto: uma mulherzinha também pode ocupar a sala de aula, a docência, a Academia e a militância. É possível exercer autoridade e respeito em cima do salto alto cor de rosa choque. Afinal, autoridade é bem diferente de autoritarismo. 

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

"Somos quem podemos ser", como diz o poeta

Eu queria dizer que sou um poço de contradições. Eu não sou o que ninguém aqui gostaria que eu fosse. Ainda que eu juntasse numa só pessoa o que cada um queria que eu fosse, ainda assim eu não seria perfeita e desagradaria outros tantos. Então, quem sabe uma saída menos conflituosa para isso tudo não seria aceitarmos as nossas contradições e as dos outros?

Jesus Cristo estava muito certo quando indagou para que olhássemos primeiro para a trave que estava no nosso olho antes de olhar para o cisco no olho do irmão. Ele sabia que o ser humano teria mesmo a tendência quase carnal para fazer isso.



O meu convite é: bem vindos a essa imperfeição e grande contradição que somos nós, seres humanos. Quão bom seria aceitarmos essa condição tão natural do ser humano! Se aceitássemos isso a condição de aceitarmos os outros seria mais fácil.

Então, vocês que estão aqui, o convite é: me aceitem e se aceitem! E se não puderem me engolir mesmo: me excluam! Eu não vou entender porque sempre prefiro o diálogo, mas vou aceitar.

Eu sou péssima com datas festivas. Heranças maternas! Fico numa bad horrível na semana do meu aniversário e no dia, então...!



Paguei caro e à vista pelo amor de um dos meus melhores amigos, meu cachorro Tunico, um yorkshire terrier com pedigree. Não foi por achar que os de raça tenham mais valor, mas moro num apartamento e queria a sensação de controle sobre o quanto ele poderia crescer ou a bagunça que ele poderia causar. Ainda não encontrei um lugar que doasse yorks... Quando souberem, me avisem! Comprei e não me arrependo. Na verdade, foi a melhor compra da minha vida! Foi a única compra que me trouxe amor e fidelidade em troca.



Casei com um guarda municipal. Tenho orgulho de vê-lo fardado porque só nós dois sabemos o preço que custou até ele vestir essa farda. Eu também sonhei muito vestir uma farda um dia. Quis muito ser de colégio militar e vou acabar projetando isso nos nossos filhos, inevitavelmente.

Meu marido pensa diferente de mim em alguns aspectos, mas é nos braços dele que eu encontro paz. Nossas diferenças são mínimas dentro desse abraço e dos risos que ele me proporciona.

Não acredito no fim da propriedade privada, também sou cética quanto ao fim do capitalismo. Sou pessimista quanto ao ser humano, mas acredito numa sociedade que amanhã possa ser mais justa que a de hoje e a de ontem.

Sou feminista, mas confesso que tenho ficado cada vez mais com receio de me afirmar como tal. Aproximar-me dos feminismos para pesquisar me fez ver as disputas internas por posição, para quem fala no centro, as classificações criadas. Antes eu idealizava os movimentos sociais e hoje já não sou mais capaz disso. Idealizava a universidade, mas, como diz um grande mestre: ela desperta o pior das pessoas. Digo mais: ela mexe com egos!

Eu até gosto de problematizar as coisas, mas me preocupo quando isso se transfere demasiadamente para o cotidiano e como transformamos nosso dia a dia em trincheiras de guerra. É complicado acionar a reflexiva e a questionadora a todo o momento. Isso cansa também! Eu preciso do botão desligar a reflexiva para viver e também conviver.



As pessoas falam muito em armas de fogo, em bombas de efeito moral, mas para mim a arma mais mortífera é a língua. Ela aciona o ódio, as fofocas, as intrigas, as mentiras. A arma da língua tem o poder de matar pessoas em vida.



Eu não acredito numa sociedade sem polícia, mas acredito numa outra forma de polícia que seja possível, numa polícia comunitária.

Existem pessoas que me fazem querer desistir de tudo que conquistei até aqui. No entanto, quando recordo a batalha que foi chegar até aqui eu paro e penso duas vezes.

Sou daquelas feministas cristãs. Enxergo a Bíblica com outros olhos e acho isso plenamente possível.

Eu nunca disse Fora Temer. Para dizer isso eu precisaria colocar os outros foras juntos e talvez não terminasse hoje. Admiro quem é Fora Temer todo dia no facebook, mas eu prefiro postar a foto do meu cachorro, falar bobagens no blog, ver as tirinhas do suricate seboso.



Acho engraçado quem anula os outros que discordam de você. Se eu fosse aplicar isso ao pé da letra, eu começaria com minha família, meu marido e terminaria numa ilha sozinha, apartada da sociedade. Acho muito interessante quem deseja uma terra dos smurfs, todos da cor azul, sendo que o colorido é mais rico.



Eu sou evangélica assembleiana. Eu tento fazer a coisa certa e ser condizente com a minha fé. Às vezes eu fico moída por dentro para manter os outros inteiros; às vezes dou o outro lado da cara para bater; às vezes fico em silêncio para não me irar, não magoar, não responder na mesma altura, não entrar em brigas desnecessárias que tirem minha paz de espírito: às vezes sorrio querendo chorar. Ninguém é capaz de ver isso. E por mais que eu tente, sempre haverá alguém para dizer que não é verdade, que eu sou o oposto disso. Sempre haverão aqueles que esperam para me rotular como fundamentalista, conservadora, mas outros já tem a convicção e nem adianta que eu me explique.

Cansa tentar ser boazinha demais, acessível demais, delicada demais. Pesa! Às vezes eu quero até que me tomem como má, chata, egoísta. Essa imagem de mim mesma parece bem mais humana.

Eu não consigo mensurar o sofrimento das pessoas. Num plano coletivo isso é possível, mas num plano individual, das subjetividades, isso é impossível. Acredito naquele ditado "Cada um sabe onde o sapato lhe aperta.". Faço terapia. Brigo com minha psicóloga porque incorporo esse discurso e acho que minhas dores são menores que a de todo mundo, mas só quem sabe das minhas dores sou eu.

Sinto medo quando as pessoas gritam: "Fascistas não passarão!" e não conseguem enxergar os fascismos em si mesmas.



Não sei lidar com crianças, mas quero ser mãe.

Eu ainda fico surpresa com as coisas que inventam ao meu respeito. Até hoje não entendo o motivo das pessoas preferirem falar de mim e não comigo. As pessoas não só inventam coisas sobre mim, elas ficam com raiva, elas passam a me tratar com desdém. Entendi que por mais que eu as trate com educação ou mesmo amor, não vai adiantar: elas vão continuar. Não importa o que eu faça.



Então, deixem-me ser o que sou e se deixem ser quem vocês são! Ninguém está parado no tempo. As palavras não estão congeladas no tempo também. As pessoas mudam e vão refazendo suas posições. O sempre para qualquer pessoa é uma palavra forte demais, definitiva demais para ser dita. O que sou hoje não corresponde bem ao que eu era ontem. Somos mais que o sempre, somos pessoas em constante movimento. Somos com o que estamos. As pessoas se movem no mundo. Como diz o poeta Humberto Guessinguer: "Somos quem podemos ser, sonhos que podemos ter".

A ideologia de gênero é perigosa

A ideologia de gênero é perigosa. Não sei se você terá estomago para ler até o final esse texto, pois a lavagem cerebral dessa teoria perigosa é gritante. É coisa de petista, esquerdista (ou esquerdopata, como preferimos), comunista, maconheiros das humanas, apesar de muitas estudiosas de gênero não apoiarem o PT e não serem comunistas.



Primeiro, ela te faz acreditar que mulheres são seres humanos, que tem o mesmo valor que os homens. Antes que vocês me digam: ah, mas homens foram feitos por Deus antes das mulheres. Lá no Novo Testamento, em Efésios, se diz que as mulheres devem ser submissas aos maridos. As pessoas se concentram tanto em provar a submissão da mulher perante o homem que esquecem apenas da outra parte no mesmo trecho bíblico: “Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela (...) Assim os maridos devem amar as suas mulheres, como a seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Certamente, ninguém jamais aborreceu a sua própria carne; ao contrário, cada qual a alimenta e a trata, como Cristo faz à sua Igreja. Em resumo, o que importa é que cada um de vós ame a sua mulher como a si mesmo, e a mulher respeite o seu marido.Efésios 5:22-29

Nunca vi Jesus tratar a sua igreja com violência, punir, massacrar, porque “amai-vos uns aos outros como a si mesmos.” (Evangelho de João, 13: 34) foi o principal mandamento que Ele deixou (que não anulava os outros, claro). Quem ama de fato a si mesmo, não maltrata, não sobrecarrega, não o torna uma pessoa infeliz, apoia que a pessoa se desenvolva intelectual e profissionalmente.

A igualdade que os ideólogos de gênero pregam não é que mulheres sejam iguais aos homens, mas que elas possam ter os mesmos DIREITOS positivados: possam votar, possam ter os mesmos direitos trabalhistas, previdenciários. Mas as femimistas, feminazis, querem que as mulheres tenham privilégios. É por isso que as mulheres se aposentam primeiro, tem direito à licença maternidade. Por que não direitos IGUAIS, já que querem igualdade? Opa, mas eu defendo são as diferenças (homem é homem e mulher é mulher)... Estou confuso(a). Mas, vamos lá, vou explicar porque mulheres se aposentam mais cedo segundo os argumentos desses ideólogos: porque a carga de trabalho ainda é maior para as mulheres. Elas trabalham fora de casa, mas quando chegam ainda tem o trabalho doméstico, o cuidado com filhos. Apesar de achar que trabalho doméstico não é cansativo, que tal experimentar um dia dele para sentir na pele?



Segundo, ela te faz crer que você pode ter casado com uma mulher e não com uma escrava doméstica. Ela faz com que as mulheres acreditem que elas não tem um DNA para o trabalho doméstico. Isso é perigoso na medida em que essa crença te fazia ter o privilégio de não ter que realizar o trabalho doméstico. Elas crendo que não é atribuição privativa e biológica do ser mulher, rebelam-se e pensam que vocês, homens, devam colaborar em casa. Contudo, se vocês, homens, varrerem a casa e passarem o pano, por exemplo, enquanto as mulheres lavam a louça... Corre a crença de que, de repetente, “aquilo caia”, ou que você colabore tanto com o trabalho doméstico que depois se transforme numa mulher. Sim, elas creem que como todos os que moram na casa, cada um deve ter sua parcela de colaboração para que o ambiente doméstico seja minimamente organizado. Não é uma guerra entre os sexos, mas vamos fazer crer isso para que mais pessoas se irem contra essa ideologia.



Tem uma guru feminista, Simone de Beauvoir, que afirma categoricamente “Não se nasce mulher, torna-se”. Não é nem que as meninas não nasçam com, ah, vocês sabem... Mas que muito do que se considera que é natural de mulher é, na verdade, parte de uma educação. Sabe aquelas brincadeiras de comidinha, cozinha, vassourinhas? Você aprenderia a ser mulher assim e não por uma propensão natural, biológica. A infância seria só um aprendizado da vida adulta. E NÃO SE TRATA de meninas deixarem de brincar de bonecas, de comidinha, casinha...elas podem até gostar e você incentivar isso nelas. No entanto, é muito perigoso fazer com que meninas brinquem com coisas que incentivem a imaginação, a criatividade, a liderança, as relações interpessoais...nada de legos, bola, carrinhos rosa choque que elas possam dirigir (dirigir é coisa de homem, de menino), quebra-cabeças, jogos de tabuleiro ou cartas. 



Essa teoria, então, é devastadora para a família. Ora, mulheres e homens colaborando com o trabalho doméstico, dividindo as tarefas de casa de modo mais igualitário, é um absurdo, uma verdadeira ideologia. Isso só faria a mulher mais feliz e não o homem, pois ele iria chegar do trabalho cansado e ter que ajudar na janta, colocar filho para dormir. Quem deve chegar em casa cansada, fazer a janta e depois colocar o menino para dormir é a mulher, exausta. Afinal, cuidar de um filho para o homem é prover financeiramente.. nada de aproximação afetiva com a criança, carinho. Se o homem dá uma pensão ou paga o colégio da criança, está tudo bem. Se brinca duas horinhas todos os dias, é o suficiente, cumpriu sua função de pai. Isso é paternidade.

 A teoria é tão absurda que faz com que as mulheres possam se amar do jeitinho que são. Agora é uma onda de mulher negra usar aqueles cabelos black power, cachear... uma onda de mulheres cheinhas se aceitarem e criticarem os padrões de beleza. Era tão legal quando todas tentavam enquadrar-se num único padrão de ser mulher! Era muito massa quando todas tentavam parecer com aquelas modelos magras da capa de revista, ou então quando as negras usavam a base ou pó branco, alisavam os cabelos, porque ser branca era o legal. Bacana era quando as meninas mais cheinhas sofriam porque, por mais que tentassem, não conseguiam entrar no manequim 36. Poxa, hoje em dia é todo mundo muito diferente, cada um tentando se sentir bem com o que é.

No tempo dos meus avós as relações duravam bem mais. Lembro de uma tia avó que apanhava do marido. Ele trancava ela no chiqueiro de casa, lá no quintal, junto com as galinhas, engaiolada e, mesmo assim, ela levava o casamento porque, afinal, “Felizes para sempre”. No tempo das minhas bisavós era bem melhor, eram os pais que escolhiam com quem elas iriam se casar. Elas se casavam com homens 10, 20 anos mais velhos e casavam adolescentes, com 13, 14 anos. As coisas começaram a desandar desde que as mulheres puderam escolher com quem se casariam, pelo amor, mas também avaliando as condições financeiras do casal e priorizando suas carreiras profissionais. As coisas desandaram quando elas passaram a não aceitar as traições dos maridos, as violências.

Hoje as mulheres querem ter, no máximo, 2 filhos. Deixaram de romantizar a maternidade. Nossas avós tinham 10, 15 filhos, pariam com dor mesmo, em casa, sem condições sanitárias ideais, sem frescura. Sei lá, as mulheres hoje em dia querem fugir da dor, só querem cesariana. Elas tomam anticoncepcionais para evitar a gravidez. Elas escolhem quando querem ter uma criança! Poxa, as feminazis nos fizeram crer que maternidade é escolha, não imposição social e que algumas mulheres simplesmente escolhem não ser mães! Louco isso! Algumas, mais cruéis, optam primeiro por ter uma vida profissional estável antes de ter uma criança.

Entramos em outra questão, porque as mulheres não querem mais ficar só em casa. Ainda que tenham filhos, elas querem estar trabalhando e tentando conciliar trabalho fora de casa com a maternidade. Elas querem estudar, fazer faculdade, pós-graduação! Por isso estão tendo filhos mais tarde também.

Os costumes são imutáveis. Até nas roupas. Ora, homens sempre usaram calças e mulheres sempre saias. As famílias sempre foram formadas por pai, mãe e filhos.


Essa ideologia se alastrou como uma doença: está nos livros, nas cartilhas do MEC (que nunca conseguimos provar que foram aprovadas), nas músicas, nos filmes, nas leis. Enquanto isso prefiro ficar com meu discursozinho de combate à ideologia de gênero, quando na prática usufruo das conquistas feministas, das discussões problematizadoras dessa ideologia. Estou discursando aqui contra a ideologia de gênero quando, na minha vida pessoal tenho relações mais igualitárias, domingo vou votar, na próxima semana estarei na assembleia legislativa discursando contra a ideologia de gênero para uma maioria de homens; estarei nos púlpitos (locais que historicamente foram de homens) pregando contra essa ideologia satânica; na segunda vou trabalhar e ganhar por isso; em casa não aceito ser capacho do marido, do noivo, no namorado; discurso contra a ideologia de gênero só porque me parece coisa de esquerda, comunista, petista, dilmista. Só pela birra, só por ser contra tudo que venha “de lá”. Mas, se eu parar para refletir, a ideologia é minha.  

sábado, 17 de setembro de 2016

O que é uma feminista?

Quando penso no que é uma feminista, penso em todas as mulheres fortes que eu conheço e que resistem no cotidiano a uma vida difícil para as mulheres. As mulheres que são arrimos de família, que chefiam seus lares, que resistem à violência a que são submetidas, ainda que essas resistências estejam ainda no plano do individual, do cotidiano e que não se tenha rompido com o ciclo da violência; as mulheres que ousam não se submeter às pressões sociais que determinam o que é ser mulher (mulheres que decidem ser mães de cachorros, que decidem não ter filhos biológicos ou as que decidem adotar); mulheres que se desdobram em várias para manter financeiramente um lar ou para ajudar a mantê-lo junto com os maridos; as mães solteiras; as que trabalham fora e estudam assumindo triplas jornadas de trabalho; as que ousam também desafiar o que se entende comumente por feminista e decidem ter uma vida voltada ao lar e ao cuidado com os filhos; as que estão ocupando espaços historicamente masculinos (na construção civil, na direção dos transportes públicos, na condução de tratores, nos grupos de choque da polícia); as que estão no sertão resistindo à seca e à fome; as garotas que são abusadas sexualmente e conseguem ser resilientes ao ponto de fortalecer outras mulheres ou escrever sobre isso; as mulheres da comunidade que resistem às crises econômicas, aos desempregos; as que decidem separar e não casar mais ou as que casam e procuram ter relacionamentos mais democráticos com os parceiros; as que andam de bike na cidade e sofrem assédios dos motoqueiros e ainda assim resistem; as que decidem ter relacionamentos que não sejam fixos; as que ascendem socialmente e conseguem alcançar uma universidade; as mães universitárias; as mulheres maduras que ocupam lugares nas faculdades privadas porque as universidades públicas ainda são sonhos distantes de sua realidade; as líderes comunitárias que eu atendia como assistente social e que eram capazes de liderar toda uma comunidade, combater a violência e ter poder e influência política; nas meninas que estão em profissões que historicamente foram masculinas, como a Engenharia Civil; as que superam relacionamentos abusivos; as mães que se desdobram para que as filhas estudem. Todas elas estão também questionando, na prática, modos de ser mulher, modos do que se diz que é ser mulher e lutando no cotidiano para mudar suas condições objetivas de vida, das suas filhas ou num plano ainda mais coletivo para todas as mulheres. 

sábado, 13 de agosto de 2016

Fofocas: o "telefone sem fio" da vida adulta

Quando éramos crianças, brincávamos de telefone sem fio. Era muito engraçado como a primeira frase dita era totalmente distorcida até chegar ao ouvinte final. Algumas crianças se esforçavam para dizer de fato o que ouviam, outras escutavam mal e repassavam errado para a outra e outras faziam questão de mudar a frase para torná-la mais engraçada. No final elas eram geralmente maliciosas e nos faziam rir aos montes. Mais: elas sempre voltavam para a pessoa que falou. Mal sabia eu que quando adultos continuaríamos a brincar disso. O termo "telefone sem fio" mudou de nomenclatura. Na vida adulta tem o nome de "fofoca". 



Toda fofoca tem um quê de mentira envolvida, seja de quem ouve, seja de quem se fala (e pode ser a pior pessoa do mundo na sua opinião), seja de quem repassa. Toda fofoca aumenta as histórias ouvidas. As fofocas tem um poder destrutivo se você se deixa abalar por elas. Sabendo que são fatos super aumentados ou mentiras, nós não deveríamos deixar nos abalar. 

Diante de uma fofoca, você tem duas alternativas: deixar se abalar ou rir dela. Num mundo contemporâneo em que vivemos a crise das verdades, das certezas e uma profunda crise de valores, elas tem maior tendência de se disseminar. Nesse mundo contemporâneo no qual falta vontade de interpretação, onde estamos cansados de tentar entender o que o outro diz, o que está por trás das intenções e das falas, onde os julgamentos são apressados, onde existe um juiz na frente de cada tela do computador, elas tendem a viralizar. Num mundo virtualizado em que recortamos o contexto de fotos, de falas, de textos, de vídeos, onde as informações são curtas, rápidas, elas vão se viralizar. 



Longe de ser um fenômeno atual, as fofocas são tão antigas quanto a história da humanidade e tem tido até espaço na Sociologia como objeto de estudo. A Bíblia, um verdadeiro tratado da humanidade e de Deus, já falava do poder destrutivo da língua do ser humano:  "Martelo, e espada, e flecha aguda é o homem que levanta falso testemunho contra o seu próximo." (Provérbios, cap. 25: 18). Ainda: "O que guarda a boca e a língua guarda das angústias a sua alma" (Provérbios, 21: 23). "O homem perverso levanta a contenda e o difamador separa os maiores amigos." (Provérbios, 16: 28). "Na multidão de palavras não falta transgressão, mas o que modera os seus lábios é prudente." (Provérbios, 10: 19). Em Tiago se lê: "A língua também é um fogo; como mundo de iniquidade, a língua está posta entre os nossos membros, e contamina todo o corpo, e inflama o curso da natureza, e é inflamada pelo inferno. (...) mas nenhum homem pode domar a língua. É um mal que não se pode refrear; está cheia de peçonha mortal. Com ela bendizemos a Deus e Pai, com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus; de uma mesma boca procede benção e maldição." (capítulo 3: 6-10). Quando Jesus Cristo inquiriu as pessoas que não tinham pecado para que atirassem a primeira pedra sobre a mulher adúltera, penso nas pedras em formas de palavras que também são lançadas contra as pessoas. Elas machucam, abalam sua paz.


Quando as fofocas voltam a você, elas provocam, geralmente, um profundo senso de injustiça. Fofocas são sempre injustas. Elas não acontecem apenas nas calçadas, entre vizinhas, mas também acontecem naqueles espaços mais inusitados, como a Academia. Existe um pouco de vizinha maliciosa em cada um de nós. Todos já foram alvos de fofocas e o serão para o resto da vida, mas também já fofocamos. Ninguém está imune a uma fofoca, pois ninguém consegue ser a pessoa de quem se fofoca para entender seu íntimo e suas razões. Ninguém tem o poder de controlar sua fala quando sai da boca. Se eu escolher chorar por uma fofoca inventada, vou escolher chorar a vida inteira porque sempre inventarão fofocas ao meu respeito. Falando em respeito, respeitem a si mesmos, deem menos audiência às fofocas e tratem com menos seriedade as mentiras inventadas sobre você. 



Mais interessante é o poder que elas tem de nos dominarem, pois há uma necessidade quase carnal de repassar a informação ouvida. Uma fofoca nunca fica entre duas línguas, pois elas tem a necessidade de disseminar para os outros. Tudo que é coletivo, torna-se mais forte do que se fosse sentido apenas no plano individual. 

Fofocas são pedras que jogamos nos outros, são formas de matarmos as pessoas. Nenhuma palavra fica parada no tempo porque as pessoas amadurecem, repensam o que falam. As pessoas são imprevisíveis, são linhas em contante construção. 



Diante disso, podemos ter uma postura mais despojada diante das fofocas. Podemos ter uma postura menos passiva diante delas. Sejamos ativos e tenhamos a escolha de não nos abalarmos diante delas. Vamos escolher rir delas e deixar quem as inventa, aumenta, repassa, perderem-se em suas próprias contradições. Rir da fofoca talvez seja o melhor remédio. Resgatemos a criança que brincava de telefone sem fio e vamos rir de tudo isso! Sabem aquelas tirinhas "Fiquei sabendo de coisas que nem eu sabia ao meu respeito."? Eu ainda me surpreendo das coisas que inventam ao meu respeito! Nada melhor que o tempo, esse instrumento ativo de fazer as pessoas amadurecerem, reverem suas falas. Não vamos perder tempo remoendo, lamuriando uma fofoca. Não vale à pena!

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Estudar para "vencer na vida" não é sobre ficar rica!

Cresci ouvindo que eu deveria estudar para "ser alguém na vida" ou "para vencer na vida". Nascida numa família pobre, eu só tinha duas alternativas na vida: ficar onde estava (e me contentar com o pequeno leque de oportunidades ofertadas a meninas da minha classe social) ou melhorar minhas condições de vida através dos estudos. Escolhi a segunda opção. 



Desde criança eu já gostava de estudar. Já gostava de levar "notas azuis" para meus pais. Já gostava de mostrar um pouco do que havia aprendido na escola. O problema é que esse discurso de "vencer pelos estudos" faz muito sentido em outro país, não no Brasil. Tanto é que isso explica as grandes migrações de cientistas para o exterior. Aqui a educação não é prioridade. Ou você nasce rico ou você escolhe uma área que dê dinheiro. 



Passaram-se os anos. Fiz uma universidade pública a muito custo. Foi um vestibular acirrado. Eram cerca de 40 pessoas para uma vaga. Mal sabia eu que as concorrências só iriam aumentar em outras circunstâncias da vida. Finda a faculdade, cursei mestrado e estou cursando doutorado. Continuo, porém, lutando. Continuo concorrendo com muitas pessoas por uma vaga de concurso público. Agora as concorrências são brutais: mais de cem pessoas para uma vaga, no melhor das hipóteses. As pessoas são cada vez mais capacitadas e as vagas cada vez mais escassas. A minha bolsa de doutorado é menor do que o salário de funções no serviço público que exigem apenas ensino médio ou fundamental. Continuo esperando meu lugar ao sol. Continuo preocupada se conseguirei pagar as contas no fim do mês, se o dinheiro paga determinadas necessidades de consumo e sonhando com o que não posso pagar.


E então, o que é "vencer na vida"? O que é "ser alguém"? Entendi que o significado dessas frases era mais simbólico do que prático. É sobre estudar e abrir a mente, libertar-se de alguns preconceitos, sobre se sentir bem e ter prazer com uma boa leitura, sobre escrever melhor que ontem, sobre partilhar seu conhecimento com os outros. Não é sobre ficar rica ou ter um belo patrimônio. 

terça-feira, 26 de julho de 2016

Retorno de saturno ou crise dos 30

Chegar aos 30 anos de idade assusta. Você percebe que definitivamente não é mais uma criança, nem uma adolescente (apesar dos resquícios delas ainda estarem aí). Já não tem como se defender pelos outros (sabe a mãe que vai resolver seu problema na escola? O irmão mais velho que te defende dos meninos? O pai que briga quando alguém te insulta na rua?). Você precisa enfrentar as coisas sozinha. O peso da responsabilidade sobre cada escolha parece maior. Nesse momento da vida você não decide apenas entre o sabor de um sorvete ou de outro e sim sobre permanecer num emprego ou não; desistir de uma profissão ou não; comprar um imóvel ou não; ter um filho agora ou não. 


Você está num limbo entre a juventude e a maturidade. Você é cobrada a estar com uma vida estável, um emprego estável, uma família estável. Isso são coisas que tanto os outros quanto você mesma se cobra. Ora, quando criança a gente brincava com as priminhas de que aos 30 anos estaríamos casadas, morando fora do país com 3 filhos, um carro de luxo e viajando pelo mundo. 




Você sabe definitivamente que chegou aos 30 quando as varizes começam a aparecer; quando o exercício físico não é mais um modo de te deixar bombada e sim uma necessidade, pois sua saúde depende disso; quando tudo que você come começa a acumular na barriga (foi-se o tempo que poderíamos comer tudo porque o metabolismo estava a mil). 



Por outro lado, você vai aos poucos deixando de ter medo do que os outros vão pensar, formula opiniões próprias, cansa-se de repetir o que os outros pensam por medo e as ideias vão amadurecendo. 

As vontades mudam. Você não tem mais vontade de estar em festas com os amigos. Sua vontade é de calmaria, de um lugar para sentar e comer enquanto conversa com os amigos. Seus amigos também mudam, apesar de muitos permanecerem. Os que permanecem tem a maturidade de entender que suas necessidades mudaram, sua vida mudou e ficam felizes com suas novas escolhas. Você deixa de querer agradar todo mundo e sabe que isso é impossível. Você sabe responder provocações (sim, às vezes a gente explode, é humano). Você evita as pessoas chatas, que sugam suas forças. Não se importa mais com a quantidade de amigos reais ou virtuais. Aos poucos você vai preferindo aqueles contados nos dedos e sinceros. 

Você sabe o que quer. Ao menos sabe que não saber o que quer também é uma forma de saber o que quer. Seu modo de se vestir muda também. Você não tem mais a necessidade de aparecer para os outros. Você tem a necessidade urgente de aparecer para si mesma, de se gostar, se amar e de aceitar as mudanças processadas no próprio corpo. Seu estilo musical também muda. Você não está mais preocupada em cantar uma crítica social ao mundo, você quer é ouvir uma boa MPB ou dançar ao som de uma besteira. Sabe aquela coisa: ou sou roqueira ou sou pagodeira? Acaba. Você escuta o que lhe agrada e pronto. Você não tem a necessidade de mudar o mundo, porque o mundo é muita coisa para você. Se conseguir promover mudanças na própria vida e na das pessoas que estão ao seu redor já é um ganho inestimável. 

Esse é o momento que você reavalia a vida: o que fiz até aqui? O que conquistei? Valeu à pena? Foram as escolhas certas? 

Seus planos de vida são: adquirir uma casa própria e viver em paz, não é mais apenas o sapato ou a roupa da moda. Você quer sossego. Você quer um balanço de rede na varanda, deitar a cabeça em paz no final do dia, pagar as contas sem aperto. A maternidade já não te assusta tanto quanto antes. Você começa a dar mais valor ao seu lado espiritual e já não se imagina sem Deus, não questiona mais sua existência porque você tem a certeza de que Ele existe. Por fim, a partir daqui você deixa de contar a idade. Até porque você na verdade nem se reconhece com 30 anos, pois dentro de você gritam uma criança, uma adolescente e uma mulher. 

A objetividade científica feminista

Lembro do meu período de faculdade e das disciplinas de metodologia e pesquisa. Aprendi sobre objetividade científica como aquele distanciamento necessário entre pesquisador (pensado sempre no masculino) e objeto (também pensado no masculino). Reproduzi esse mesmo discurso com meus alunos de pesquisa quando professora. Mesmo a nível de doutorado, continuei aprendendo sobre objetividade como distanciamento. A ciência estaria ancorada na razão e não na emoção ou na subjetividade. A ciência seria um discurso de verdade, produziria verdades sobre o mundo e são as verdades mais certas em comparação a outros tipos de conhecimento, especialmente o religioso e o de senso comum. Aprendi que estar apaixonado demais pelo tema é perigoso e por vezes até errôneo. Aprendi a armar trincheiras com quem entrevistava, pois poderia ser capturado pelo discurso desse outro, ser-lhe uma advogada de defesa e não uma cientista ou pesquisadora do assunto. Aprendi apenas na pós-graduação que as relações de pesquisa também são relações sociais, mas no momento das entrevistas o conhecimento que sobressaía era tratar mesmo esse outro da pesquisa como um instrumento para os meus fins, pois a relação social estava restrita ao momento da entrevista e mediada por gravadores (muitas das vezes logo nos primeiros ou segundos encontros) e roteiros de entrevista impressos com perguntas que direcionariam a sua fala. A partir dali aquele indivíduo estava inteiramente esquecido. Tal como o homem que não pode estar apaixonado demais por uma mulher de modo a comprometer sua vida pública, nós pesquisadores também não poderíamos estar apaixonados em demasia por nossos "objetos". A relação de poder está muito clara aí: eu sou o lugar ativo, associado ao masculino, e esse outro é o lugar objeto, passivo, manipulável, usado. Percebi outra coisa perversa, que eu exercia sobre os discursos que encontrava no campo de pesquisa um poder, sobre o que era conhecimento científico (o meu), crítico (o meu), objetivo (o meu) e o conhecimento de senso comum (do outro), acrítico (do outro), subjetivo e emotivo (do outro). A própria forma como dispunha e fazia com que os alunos dispusessem seus trabalhos de conclusão de curso exercia esse poder: o conhecimento teórico como o carro chefe do conhecimento do campo, que vinha por último. No entanto, esses outros não eram objetos passivos, pois certas vezes eram eles a me fazerem de objeto. A relação de poder era, na verdade, circular. Mais: eu não poderia voltar meu conhecimento para esse outro porque sentia vergonha do que havia produzido sobre esses outros nessa estrutura de poder. Como falar para homens que respondiam à Lei Maria da Penha que seus discursos eram machistas e misóginos? Como voltar esse conhecimento? Percebi que estávamos muito mais preocupados em impor discursos e argumentos de autoridade do que deixar que esses outros falassem como as coisas funcionam para eles.
Enfim, percebi, após muitas disciplinas de pesquisa e orientações, que como professores fazemos um desserviço aos nossos alunos em muitos aspectos. Primeiro, os autores que utilizamos. São, senão todos, a maior parte deles, homens. O que fazer não é apenas trocar a posição: adotar autoras mulheres ao invés de autores homens. É adotar também autoras que vem problematizando a ciência: epistemólogas feministas que tem criticado essa noção de objetividade que mais nos aprisiona do que nos liberta. Segundo, quando não questionamos de onde nós falamos, ao não percebermos que nossos discursos são posicionados. Você fala a partir de onde? Com quem? Por que? O que estou falando por trás do que quero dizer? Quais seriam os interesses imersos na minha problematização? Criamos uma falsa aura de ilusão ao acharmos que os temas de pesquisa que nossos alunos (e os nossos) escolhem não partem de suas vivências pessoais. A delimitação do "objeto" é recortada a partir da vivência acadêmica quando, na verdade, se escavarmos bem as profundezas da subjetividade, encontraremos elementos biográficos que explicam profundamente as escolhas por temas de pesquisa. A menina que fala de violência doméstica muitas vezes viu cenas de violência do pai contra a mãe ou mesmo vivenciou, para citarmos um dos muitos exemplos possíveis. Terceiro, meu olhar não está acima do real, ele é posicionado. Mais do que nunca nossas sociedades nos mostram como o olhar nunca é neutro, é sempre parcial e tem um poder que lhe está embutido. O que a câmera pretende quando filma ou fotografa? Quarto, abandonarmos a ideia de um sujeito do conhecimento sempre pensado no masculino, pelo motivo óbvio: mulheres também fazem ciência. Quinto, deixarmos de pensar também a ciência a partir de características atribuídas ao masculino, como "objetividade" (falemos, então, numa objetividade posicionada), distanciamento (falemos de aproximações não inocentes). Enfim, precisamos urgentemente aprender e ensinar novas formas de fazer ciência.