sábado, 13 de agosto de 2016

Fofocas: o "telefone sem fio" da vida adulta

Quando éramos crianças, brincávamos de telefone sem fio. Era muito engraçado como a primeira frase dita era totalmente distorcida até chegar ao ouvinte final. Algumas crianças se esforçavam para dizer de fato o que ouviam, outras escutavam mal e repassavam errado para a outra e outras faziam questão de mudar a frase para torná-la mais engraçada. No final elas eram geralmente maliciosas e nos faziam rir aos montes. Mais: elas sempre voltavam para a pessoa que falou. Mal sabia eu que quando adultos continuaríamos a brincar disso. O termo "telefone sem fio" mudou de nomenclatura. Na vida adulta tem o nome de "fofoca". 



Toda fofoca tem um quê de mentira envolvida, seja de quem ouve, seja de quem se fala (e pode ser a pior pessoa do mundo na sua opinião), seja de quem repassa. Toda fofoca aumenta as histórias ouvidas. As fofocas tem um poder destrutivo se você se deixa abalar por elas. Sabendo que são fatos super aumentados ou mentiras, nós não deveríamos deixar nos abalar. 

Diante de uma fofoca, você tem duas alternativas: deixar se abalar ou rir dela. Num mundo contemporâneo em que vivemos a crise das verdades, das certezas e uma profunda crise de valores, elas tem maior tendência de se disseminar. Nesse mundo contemporâneo no qual falta vontade de interpretação, onde estamos cansados de tentar entender o que o outro diz, o que está por trás das intenções e das falas, onde os julgamentos são apressados, onde existe um juiz na frente de cada tela do computador, elas tendem a viralizar. Num mundo virtualizado em que recortamos o contexto de fotos, de falas, de textos, de vídeos, onde as informações são curtas, rápidas, elas vão se viralizar. 



Longe de ser um fenômeno atual, as fofocas são tão antigas quanto a história da humanidade e tem tido até espaço na Sociologia como objeto de estudo. A Bíblia, um verdadeiro tratado da humanidade e de Deus, já falava do poder destrutivo da língua do ser humano:  "Martelo, e espada, e flecha aguda é o homem que levanta falso testemunho contra o seu próximo." (Provérbios, cap. 25: 18). Ainda: "O que guarda a boca e a língua guarda das angústias a sua alma" (Provérbios, 21: 23). "O homem perverso levanta a contenda e o difamador separa os maiores amigos." (Provérbios, 16: 28). "Na multidão de palavras não falta transgressão, mas o que modera os seus lábios é prudente." (Provérbios, 10: 19). Em Tiago se lê: "A língua também é um fogo; como mundo de iniquidade, a língua está posta entre os nossos membros, e contamina todo o corpo, e inflama o curso da natureza, e é inflamada pelo inferno. (...) mas nenhum homem pode domar a língua. É um mal que não se pode refrear; está cheia de peçonha mortal. Com ela bendizemos a Deus e Pai, com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus; de uma mesma boca procede benção e maldição." (capítulo 3: 6-10). Quando Jesus Cristo inquiriu as pessoas que não tinham pecado para que atirassem a primeira pedra sobre a mulher adúltera, penso nas pedras em formas de palavras que também são lançadas contra as pessoas. Elas machucam, abalam sua paz.


Quando as fofocas voltam a você, elas provocam, geralmente, um profundo senso de injustiça. Fofocas são sempre injustas. Elas não acontecem apenas nas calçadas, entre vizinhas, mas também acontecem naqueles espaços mais inusitados, como a Academia. Existe um pouco de vizinha maliciosa em cada um de nós. Todos já foram alvos de fofocas e o serão para o resto da vida, mas também já fofocamos. Ninguém está imune a uma fofoca, pois ninguém consegue ser a pessoa de quem se fofoca para entender seu íntimo e suas razões. Ninguém tem o poder de controlar sua fala quando sai da boca. Se eu escolher chorar por uma fofoca inventada, vou escolher chorar a vida inteira porque sempre inventarão fofocas ao meu respeito. Falando em respeito, respeitem a si mesmos, deem menos audiência às fofocas e tratem com menos seriedade as mentiras inventadas sobre você. 



Mais interessante é o poder que elas tem de nos dominarem, pois há uma necessidade quase carnal de repassar a informação ouvida. Uma fofoca nunca fica entre duas línguas, pois elas tem a necessidade de disseminar para os outros. Tudo que é coletivo, torna-se mais forte do que se fosse sentido apenas no plano individual. 

Fofocas são pedras que jogamos nos outros, são formas de matarmos as pessoas. Nenhuma palavra fica parada no tempo porque as pessoas amadurecem, repensam o que falam. As pessoas são imprevisíveis, são linhas em contante construção. 



Diante disso, podemos ter uma postura mais despojada diante das fofocas. Podemos ter uma postura menos passiva diante delas. Sejamos ativos e tenhamos a escolha de não nos abalarmos diante delas. Vamos escolher rir delas e deixar quem as inventa, aumenta, repassa, perderem-se em suas próprias contradições. Rir da fofoca talvez seja o melhor remédio. Resgatemos a criança que brincava de telefone sem fio e vamos rir de tudo isso! Sabem aquelas tirinhas "Fiquei sabendo de coisas que nem eu sabia ao meu respeito."? Eu ainda me surpreendo das coisas que inventam ao meu respeito! Nada melhor que o tempo, esse instrumento ativo de fazer as pessoas amadurecerem, reverem suas falas. Não vamos perder tempo remoendo, lamuriando uma fofoca. Não vale à pena!

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Estudar para "vencer na vida" não é sobre ficar rica!

Cresci ouvindo que eu deveria estudar para "ser alguém na vida" ou "para vencer na vida". Nascida numa família pobre, eu só tinha duas alternativas na vida: ficar onde estava (e me contentar com o pequeno leque de oportunidades ofertadas a meninas da minha classe social) ou melhorar minhas condições de vida através dos estudos. Escolhi a segunda opção. 



Desde criança eu já gostava de estudar. Já gostava de levar "notas azuis" para meus pais. Já gostava de mostrar um pouco do que havia aprendido na escola. O problema é que esse discurso de "vencer pelos estudos" faz muito sentido em outro país, não no Brasil. Tanto é que isso explica as grandes migrações de cientistas para o exterior. Aqui a educação não é prioridade. Ou você nasce rico ou você escolhe uma área que dê dinheiro. 



Passaram-se os anos. Fiz uma universidade pública a muito custo. Foi um vestibular acirrado. Eram cerca de 40 pessoas para uma vaga. Mal sabia eu que as concorrências só iriam aumentar em outras circunstâncias da vida. Finda a faculdade, cursei mestrado e estou cursando doutorado. Continuo, porém, lutando. Continuo concorrendo com muitas pessoas por uma vaga de concurso público. Agora as concorrências são brutais: mais de cem pessoas para uma vaga, no melhor das hipóteses. As pessoas são cada vez mais capacitadas e as vagas cada vez mais escassas. A minha bolsa de doutorado é menor do que o salário de funções no serviço público que exigem apenas ensino médio ou fundamental. Continuo esperando meu lugar ao sol. Continuo preocupada se conseguirei pagar as contas no fim do mês, se o dinheiro paga determinadas necessidades de consumo e sonhando com o que não posso pagar.


E então, o que é "vencer na vida"? O que é "ser alguém"? Entendi que o significado dessas frases era mais simbólico do que prático. É sobre estudar e abrir a mente, libertar-se de alguns preconceitos, sobre se sentir bem e ter prazer com uma boa leitura, sobre escrever melhor que ontem, sobre partilhar seu conhecimento com os outros. Não é sobre ficar rica ou ter um belo patrimônio.