Às
vezes é bom sairmos dos nossos gabinetes de estudo e das tensões do mundo virtual
e ver o que está acontecendo lá fora. É importante nos oxigenarmos (ou mesmo
intoxicarmos) com o que está acontecendo no mundo. Depois voltarmos
para nossos planos individuais e confrontarmos nossas subjetividades com as
tensões de lá: como elas acontecem dentro de mim? Como esses outros lá de fora
fazem guerras ou festas em mim?
Hoje
o dia me serviu para mostrar como as pessoas, até mesmo aquelas que estão numa
posição tida como mais crítica e mais objetiva de enxergar a realidade, buscam
líderes aos quais possam idolatrar. As pessoas não estão, na maioria das vezes,
em busca de um debate no sentido profundo da palavra, discordar pela palavra e não
pelo grito. Elas estão em busca de confirmar suas teses já formadas e fechadas.
A religião e Deus foram destronados da universidade, mas elegemos outros que não
tem esses nomes, mas os tratamos como tais. O caminho entre a afeição
intelectual e emocional é curto e se misturam. Não vejo problema nisso até que
a afeição emocional torne-se uma paixão cega e incapaz de confrontar o outro. Assim
como existem pessoas que tem o ego amaciado e gostam de pedestal. Eu,
particularmente, nunca quero ser colocada num pedestal, pois não nasci para ser
adorada. Como diz Roxane Gay, no livro Má feminista (2016), “De modo geral, faço
merda. Considere-me já como criticada.”.
Eu
vejo no Brasil e no mundo dois projetos de sociedade, dois projetos de mundo
caminhando e em disputa. Não estamos vivendo um pluralismo político nos termos
da Constituição, estamos vivendo um binarismo mesmo.
Precisamos
entender que discurso acadêmico não é tudo. Ciência não é tudo. Nem tudo passa
pelo meu currículo extenso, pela ciência ou pela universidade. Há uma vida para
além disso e a vida na universidade terá reflexos sociais não só nos nossos
cotidianos, mas no de todos. Ciência não é verdade absoluta. Discursos científicos
não tem argumentos de autoridade sobre tudo e todos. A ciência não deve ser
usada como cassetete sobre os outros. Verdades podem ser questionadas.
O
projeto escola sem partido me assusta, mas precisamos notar também que a dura
realidade do ensino já é uma censura escancarada. Os professores estão sujeitos
todos os dias nas salas de aula pela censura dos celulares, tendo vozes
gravadas sem autorização, recortadas, compartilhadas, publicadas; tendo as
falas deturpadas; tendo carros arranhados por alunos que recebem notas baixas; sendo
expostos em redes sociais; sendo caluniados e difamados fora de sala; sendo
pressionados a dar notas para os alunos que não estudam e se sentem
injustiçados por tirarem notas baixas; pelos alunos que não se responsabilizam
pelo baixo rendimento acadêmico.
Os
professores também são censurados em redes sociais nas quais nos encaixam
nesses polarismos entre esquerda e direita, ainda que alguns não queiram ser
encaixados neles. Nossas redes sociais viraram janelas das nossas vidas
profissionais. Sou uma boa ou má professora a partir do que posto no facebook. As
linhas são tênues entre vida particular e profissional. A influência que antes
era exercida apenas em sala de aula foi ampliada para nossas vidas pessoais.
O
mundo e cada pessoa é bem mais complexa do que o “ser contra ou a favor”, “estar
de um lado ou de outro”. Há muitas ponderações para além disso! Estamos de tal
modo imersos num polarismo político no Brasil que estar num ambiente com
pessoas com posições diferentes é impossível. A minha questão é: movemos as
mesmas forças e os mesmos gritos a esses outros quando eles são nossos pais? Nossos
irmãos? Nossos amigos? Sim, porque cada um de nós vive a própria alteridade
dentro de nossas casas. Cada um de nós lida com o oposto no nosso plano
microssocial. Todos os dias somos confrontados com o que é diferente ou mesmo
oposto. Parece que a vida está exigindo cada vez mais isso de nós brasileiros:
confronte sua alteridade.
Eu
me preocupo com a onda conservadora no mundo, mas me preocupo também com a
intolerância disfarçada de democracia. As duas me assustam.
O
exercício de deparar-se com a alteridade do “estar com”, “falar com” o oposto,
tornou-se impossível. E para onde vão esses outros que são vaiados e saem dos
auditórios sobre frases de efeito? Para onde vão esses que negamos a oportunidade de fala? O que fazem
a partir dali? Que decisões políticas tomam a partir dali? Com que posições vão? Que imagens ficam das universidades? Que tipo
de atitude estamos alimentando neles? Que tipo de divisões estamos a fomentar
mais ainda? Estamos mandando não passar, mas para onde, meus caros? Fora, para
onde? O não lugar não existe. Esses outros que negamos serão sempre a
companhia desagradável que vocês terão que conviver. Diante dessa
possibilidade, que posturas novas poderíamos adotar?