terça-feira, 26 de julho de 2016

Retorno de saturno ou crise dos 30

Chegar aos 30 anos de idade assusta. Você percebe que definitivamente não é mais uma criança, nem uma adolescente (apesar dos resquícios delas ainda estarem aí). Já não tem como se defender pelos outros (sabe a mãe que vai resolver seu problema na escola? O irmão mais velho que te defende dos meninos? O pai que briga quando alguém te insulta na rua?). Você precisa enfrentar as coisas sozinha. O peso da responsabilidade sobre cada escolha parece maior. Nesse momento da vida você não decide apenas entre o sabor de um sorvete ou de outro e sim sobre permanecer num emprego ou não; desistir de uma profissão ou não; comprar um imóvel ou não; ter um filho agora ou não. 


Você está num limbo entre a juventude e a maturidade. Você é cobrada a estar com uma vida estável, um emprego estável, uma família estável. Isso são coisas que tanto os outros quanto você mesma se cobra. Ora, quando criança a gente brincava com as priminhas de que aos 30 anos estaríamos casadas, morando fora do país com 3 filhos, um carro de luxo e viajando pelo mundo. 




Você sabe definitivamente que chegou aos 30 quando as varizes começam a aparecer; quando o exercício físico não é mais um modo de te deixar bombada e sim uma necessidade, pois sua saúde depende disso; quando tudo que você come começa a acumular na barriga (foi-se o tempo que poderíamos comer tudo porque o metabolismo estava a mil). 



Por outro lado, você vai aos poucos deixando de ter medo do que os outros vão pensar, formula opiniões próprias, cansa-se de repetir o que os outros pensam por medo e as ideias vão amadurecendo. 

As vontades mudam. Você não tem mais vontade de estar em festas com os amigos. Sua vontade é de calmaria, de um lugar para sentar e comer enquanto conversa com os amigos. Seus amigos também mudam, apesar de muitos permanecerem. Os que permanecem tem a maturidade de entender que suas necessidades mudaram, sua vida mudou e ficam felizes com suas novas escolhas. Você deixa de querer agradar todo mundo e sabe que isso é impossível. Você sabe responder provocações (sim, às vezes a gente explode, é humano). Você evita as pessoas chatas, que sugam suas forças. Não se importa mais com a quantidade de amigos reais ou virtuais. Aos poucos você vai preferindo aqueles contados nos dedos e sinceros. 

Você sabe o que quer. Ao menos sabe que não saber o que quer também é uma forma de saber o que quer. Seu modo de se vestir muda também. Você não tem mais a necessidade de aparecer para os outros. Você tem a necessidade urgente de aparecer para si mesma, de se gostar, se amar e de aceitar as mudanças processadas no próprio corpo. Seu estilo musical também muda. Você não está mais preocupada em cantar uma crítica social ao mundo, você quer é ouvir uma boa MPB ou dançar ao som de uma besteira. Sabe aquela coisa: ou sou roqueira ou sou pagodeira? Acaba. Você escuta o que lhe agrada e pronto. Você não tem a necessidade de mudar o mundo, porque o mundo é muita coisa para você. Se conseguir promover mudanças na própria vida e na das pessoas que estão ao seu redor já é um ganho inestimável. 

Esse é o momento que você reavalia a vida: o que fiz até aqui? O que conquistei? Valeu à pena? Foram as escolhas certas? 

Seus planos de vida são: adquirir uma casa própria e viver em paz, não é mais apenas o sapato ou a roupa da moda. Você quer sossego. Você quer um balanço de rede na varanda, deitar a cabeça em paz no final do dia, pagar as contas sem aperto. A maternidade já não te assusta tanto quanto antes. Você começa a dar mais valor ao seu lado espiritual e já não se imagina sem Deus, não questiona mais sua existência porque você tem a certeza de que Ele existe. Por fim, a partir daqui você deixa de contar a idade. Até porque você na verdade nem se reconhece com 30 anos, pois dentro de você gritam uma criança, uma adolescente e uma mulher. 

A objetividade científica feminista

Lembro do meu período de faculdade e das disciplinas de metodologia e pesquisa. Aprendi sobre objetividade científica como aquele distanciamento necessário entre pesquisador (pensado sempre no masculino) e objeto (também pensado no masculino). Reproduzi esse mesmo discurso com meus alunos de pesquisa quando professora. Mesmo a nível de doutorado, continuei aprendendo sobre objetividade como distanciamento. A ciência estaria ancorada na razão e não na emoção ou na subjetividade. A ciência seria um discurso de verdade, produziria verdades sobre o mundo e são as verdades mais certas em comparação a outros tipos de conhecimento, especialmente o religioso e o de senso comum. Aprendi que estar apaixonado demais pelo tema é perigoso e por vezes até errôneo. Aprendi a armar trincheiras com quem entrevistava, pois poderia ser capturado pelo discurso desse outro, ser-lhe uma advogada de defesa e não uma cientista ou pesquisadora do assunto. Aprendi apenas na pós-graduação que as relações de pesquisa também são relações sociais, mas no momento das entrevistas o conhecimento que sobressaía era tratar mesmo esse outro da pesquisa como um instrumento para os meus fins, pois a relação social estava restrita ao momento da entrevista e mediada por gravadores (muitas das vezes logo nos primeiros ou segundos encontros) e roteiros de entrevista impressos com perguntas que direcionariam a sua fala. A partir dali aquele indivíduo estava inteiramente esquecido. Tal como o homem que não pode estar apaixonado demais por uma mulher de modo a comprometer sua vida pública, nós pesquisadores também não poderíamos estar apaixonados em demasia por nossos "objetos". A relação de poder está muito clara aí: eu sou o lugar ativo, associado ao masculino, e esse outro é o lugar objeto, passivo, manipulável, usado. Percebi outra coisa perversa, que eu exercia sobre os discursos que encontrava no campo de pesquisa um poder, sobre o que era conhecimento científico (o meu), crítico (o meu), objetivo (o meu) e o conhecimento de senso comum (do outro), acrítico (do outro), subjetivo e emotivo (do outro). A própria forma como dispunha e fazia com que os alunos dispusessem seus trabalhos de conclusão de curso exercia esse poder: o conhecimento teórico como o carro chefe do conhecimento do campo, que vinha por último. No entanto, esses outros não eram objetos passivos, pois certas vezes eram eles a me fazerem de objeto. A relação de poder era, na verdade, circular. Mais: eu não poderia voltar meu conhecimento para esse outro porque sentia vergonha do que havia produzido sobre esses outros nessa estrutura de poder. Como falar para homens que respondiam à Lei Maria da Penha que seus discursos eram machistas e misóginos? Como voltar esse conhecimento? Percebi que estávamos muito mais preocupados em impor discursos e argumentos de autoridade do que deixar que esses outros falassem como as coisas funcionam para eles.
Enfim, percebi, após muitas disciplinas de pesquisa e orientações, que como professores fazemos um desserviço aos nossos alunos em muitos aspectos. Primeiro, os autores que utilizamos. São, senão todos, a maior parte deles, homens. O que fazer não é apenas trocar a posição: adotar autoras mulheres ao invés de autores homens. É adotar também autoras que vem problematizando a ciência: epistemólogas feministas que tem criticado essa noção de objetividade que mais nos aprisiona do que nos liberta. Segundo, quando não questionamos de onde nós falamos, ao não percebermos que nossos discursos são posicionados. Você fala a partir de onde? Com quem? Por que? O que estou falando por trás do que quero dizer? Quais seriam os interesses imersos na minha problematização? Criamos uma falsa aura de ilusão ao acharmos que os temas de pesquisa que nossos alunos (e os nossos) escolhem não partem de suas vivências pessoais. A delimitação do "objeto" é recortada a partir da vivência acadêmica quando, na verdade, se escavarmos bem as profundezas da subjetividade, encontraremos elementos biográficos que explicam profundamente as escolhas por temas de pesquisa. A menina que fala de violência doméstica muitas vezes viu cenas de violência do pai contra a mãe ou mesmo vivenciou, para citarmos um dos muitos exemplos possíveis. Terceiro, meu olhar não está acima do real, ele é posicionado. Mais do que nunca nossas sociedades nos mostram como o olhar nunca é neutro, é sempre parcial e tem um poder que lhe está embutido. O que a câmera pretende quando filma ou fotografa? Quarto, abandonarmos a ideia de um sujeito do conhecimento sempre pensado no masculino, pelo motivo óbvio: mulheres também fazem ciência. Quinto, deixarmos de pensar também a ciência a partir de características atribuídas ao masculino, como "objetividade" (falemos, então, numa objetividade posicionada), distanciamento (falemos de aproximações não inocentes). Enfim, precisamos urgentemente aprender e ensinar novas formas de fazer ciência.