sexta-feira, 12 de maio de 2017

Sobre as mulheres reais: uma tese de doutorado em andamento

Acho legal a ideia da mulher perfeita. Essa, que as gurus da ideologia de gênero esfregam na nossa cara. Eu gostaria de ser uma delas: uma esposa com o casamento blindado e concomitantemente a filha de um milionário. Gostaria de ser a esposa de um presidente, que consome milhões no cartão corporativo. Se tivéssemos esse dinheiro, certamente seríamos elas ou faríamos parecer que éramos. O que incomoda é que essas mulheres não são reais. O que incomoda é que esfreguem na nossa cara o que devemos ser, sem nos perguntar o que podemos ser.

As mulheres reais parecem bem mais aquelas descritas por Virginie Despentes (2016):

...não vendidas, das complicadas, das que tem a cabeça raspada, das que não sabem se vestir, das que tem medo de cheirar mal, das que tem os dentes podres, das que não sabem como se comportar, das que não ganham presentes dos homens, das que transariam com qualquer pessoa que as quisesse, das putonas, das putinhas, das mulheres de buceta sempre seca, das que são barrigudas, das que queriam ser homens, das que sonham em ser atrizes pornô, das que não dão a mínima para os caras mas que se interessam pelas suas amigas, das que tem bunda grande, das que tem pelos duros e bem pretos e que não se depilam, das mulheres brutais, barulhentas, daquelas que quebram tudo o que encontram pela frente, das que não gostam de cosméticos, das que usam batom excessivamente vermelho, das que são muito feias para se vestirem como gostosonas mas que morrem de vontade de faze-lo, das que querem usar roupas masculinas e barba na rua, das que querem mostrar tudo, daquelas que são pudicas por serem complexadas, das que não sabem dizer não, das que são presas para que possam ser domesticadas, das que dão medo, das que provocam pena, das que não provocam inveja, das que tem a pele flácida, cara cheia de rugas, das que sonham em fazer um lifting, uma lipoaspiração, uma plástica de nariz mas que não tem dinheiro para tanto, das que estão acabadas, das que não tem nada que as proteja a não ser elas mesmas, das que não sabem proteger, das que são indiferentes aos filhos, dessas que gostam de beber nos bares ate caírem no chão, das que não sabem manter as aparências.” (DESPENTES, 2016, 9-10)

Essas são as mulheres reais. As mulheres reais até podem gostar de cozinhar para o companheiro, mas às vezes estão cansadas para isso e desejam comer fora; sabem que o trabalho doméstico é cansativo e não ficam tentando fazer com que as mulheres engulam que não é. Limpar banheiros não é tão divertido quanto parece, meninas. As mulheres que optaram por ter filhos, mas sabem que a maternidade não é essa idealização toda que fazem. Amamentar dói, sangra, machuca também. Aquelas que estão casadas e fazem bodas de casamento, mas que já superaram violências,  traições e alcoolismo do marido, porque casar não é só uma promessa de felicidade eterna, também traz muito sofrimento. Posar de esposa feliz o tempo inteiro soa um tanto quanto hipócrita. As mulheres que tem sexo dentro do casamento, mas sabem que com o tempo ele esfria, que nem sempre se está com vontade de fazer, que pegaram doenças sexualmente transmissíveis dos próprios maridos (apesar de não terem uma vida tida como promíscua e de terem casado virgens), que optaram não ser mães todas as vezes que tomam anticoncepcional ou usam a camisinha e não forçam a barra dizendo que maternidade é instinto, que separam, na vida prática, a reprodução da maternidade sim. Não precisou de um clássico do feminismo para adotar isso na vida prática. As mulheres que fazem o "sexo socialmente aceitável", mas adoram falar sobre sexualidade com as amigas, compartilhar experiências. As mulheres que se depilam, mas que tem noção de como a depilação dói. As mulheres que se desdobram para dar uma ótima educação para os filhos. Aquelas, que enquanto viajam pelo Brasil com suas atividades profissionais tem a diarista em casa, uma cozinheira, os filhos estão na creche ou na escola. Essas são as mulheres reais. Não aquelas que parecem mostrar que são do lar o tempo inteiro e que dedicam integralmente suas vidas ao ambiente doméstico. Aquelas que tentam até transparecer a pose de uma moça jovem e feliz, mas que sofrem preconceitos porque se relacionam com homens bem mais velhos.

Isso porque

..o ideal de mulher branca, sedutora mas não puta, bem casada mas não nula, que trabalha mas sem tanto sucesso para não esmagar seu homem, magra mas não neurótica com a comida, que continua indefinidamente jovem sem se deixar desfigurar por cirurgias plásticas, uma mamãe realizada que não se deixa monopolizar pelas fraldas e pelos deveres de casa, boa dona de casa sem virar empregada doméstica, culta mas não tao culta quanto um homem; essa mulher branca e feliz, cuja imagem nos é esfregada o tempo todo na cara, essa mulher com a qual deveríamos nos esforçar para parecer – tirando o fato de que elas devem ficar de saco cheio com qualquer coisa – devo dizer que jamais a conheci, em lugar algum. Acredito até que ela nem mesmo exista.” (DESPENTES, 2016, p. 11)


quinta-feira, 11 de maio de 2017

Carta ao Vitor

Essa carta é inspirada no mais recente livro da Chimamanda e no dia das mães que acontecerá domingo.

Filho, em primeiro lugar, não importa o tamanho da sua pintinha. Isso é importante para os homens, mas nós, mulheres, sabemos que tamanho não é documento e que isso não influencia no prazer de uma mulher.

Se você tem o quarto decorado com azul é pura preferência pessoal. Cor não tem sexo.

Se projetamos uma vida para você antes mesmo de nascer, nos perdoe. Não há como não fazer isso. Você pode preferir livros a armas, o seu boneco Buzz ao invés do Woody, desenhos animados ao invés de videogames, natação ao invés de futebol. No entanto, experiência é uma coisa válida. Escute os mais velhos.

Sua pintinha não é um troféu para ser ostentada, tocada por todos, vista, cheirada, muito menos estimulada, atribuindo um valor sexual que você sequer é capaz de pensar. Você não é privilegiado por isso e sim pela dádiva da vida e por nascer rodeado de amor.

Até a adolescência você não namora. Você é apenas uma criança. Viva esse momento plenamente, pois é a melhor fase da vida. Brinque, brinque muito. Meninos não paqueram menininhas. Apenas devem sentir que são seres pequeninos que nem você e possíveis companhias para brincar. Definitivamente, crianças não namoram! Não se permita adultizar antes do tempo.

Reserve sua primeira vez para alguém que sinta que realmente vale à pena. Você não entra numa pessoa apenas com o corpo, você entra com a alma. Você deixa marcas nas pessoas.

Não acredite nessa história estapafúrdia de que um homem é macho porque tem muitas mulheres. Eu espero é que você ame, ame demais. Amar todo mundo é fácil e dizer que ama, mais ainda. Amor é ação. O desafio maior não é amar uma ou várias pessoas a cada dia, mas renovar o amor a cada dia por uma mesma pessoa.

Não saia por aí usando as mulheres como quem toma água e joga o copo no lixo. Ninguém é objeto para ser descartado. Pessoas não são só corpos, elas tem sentimentos. E nós, mulheres, somos educadas a colocar muito valor nos sentimentos. O problema é que homens não são educados a fazer o mesmo e fica esse desencontro sem fim. Na vida adulta todos nós sentimos o peso dessa contradição!

Entenda bem: o corpo de uma mulher é dela. Você não tem o direito de tocar sem o consentimento dela. Se por um momento pensar que o problema está na roupa que ela veste, na verdade, o problema está é com você.

Respeite, ame, cuide. Se fizeram um pacto de fidelidade mútuo, respeite isso. No mundo em que vivemos as pessoas decidem se querem estar com as outras. Elas não são mais obrigadas pelos pais ou por questões financeiras. Elas estão com as outras porque querem estar, sem pressão. Existe um mundo de possibilidades de outras pessoas, relacionamentos abertos, mas se você fez a escolha por uma, honre sua decisão. Seja responsável pelas suas escolhas. Não escolha ser desleal com ninguém.

Jamais agrida uma mulher! Mas também não adianta muito não bater, mas deixar marcas de sofrimento emocional incuráveis. A violência vai para além de tapas dados. A violência é uma ação que doi no outro, seja com palavras ou tapas. Escolha não ferir ninguém.

Homens podem cozinhar. Não é prerrogativa de mulher. Isso é uma das bases para um relacionamento saudável no futuro. Dividir é algo nobre.

Carrinhos são divertidos porque vão desenvolver tua autonomia no futuro. Legos desenvolvem nosso raciocínio. O importante é que você desenvolva todas as suas potencialidades.

Chorar não é feio para um homem. Chorar é humano. É quando a dor ou a felicidade não cabem mais no corpo e tudo transborda em água pelos olhos!

Existem pessoas más no mundo, outras sem caráter, mentirosas, vazias. Existem também aquelas que são capazes de fazer o mau movidas por violentas emoções. Espero que você não encontre elas, mas sei que é inevitável. Também não esqueça que existem pessoas que tentam fazer o bem, são agradáveis, bondosas. Você vai duvidar até que ponto as pessoas podem chegar e do que são capazes, mas não perca a esperança. Contudo, escolha sempre ser uma boa pessoa, com caráter, dizer a verdade e fazer a coisa certa. Escolha parecer com esse segundo grupo.

Pense nos outros. Não há escolha puramente individual. Todas as nossas escolhas também são sociais e rebatem nos outros ao nosso redor. Ações e omissões falam. Faça o certo ainda que todos estejam fazendo o errado.

O que você aprender nos livros é importante, mas não esqueça dos valores de casa. Livros podem ser interessantes, mas não funcionam bem como guias para lidar com a vida.

Cristianismo envolve uma mudança de caráter. Seja coerente com suas crenças. Religião é outra coisa e, geralmente, é ela que funciona como cassetete sobre as outras pessoas.

Por fim, se for escolher alguém para confiar, se possível, escolha sua família porque eu te amo antes mesmo de te conhecer.