Acho
legal a ideia da mulher perfeita. Essa, que as gurus da ideologia de gênero
esfregam na nossa cara. Eu gostaria de ser uma delas: uma esposa com o
casamento blindado e concomitantemente a filha de um milionário. Gostaria de ser a esposa de um presidente, que consome milhões no cartão
corporativo. Se tivéssemos esse dinheiro, certamente seríamos elas ou faríamos
parecer que éramos. O que incomoda é que essas mulheres não são reais. O que incomoda
é que esfreguem na nossa cara o que devemos ser, sem nos perguntar o que
podemos ser.
As
mulheres reais parecem bem mais aquelas descritas por Virginie Despentes (2016):
...não vendidas, das
complicadas, das que tem a cabeça raspada, das que não sabem se vestir, das que
tem medo de cheirar mal, das que tem os dentes podres, das que não sabem como
se comportar, das que não ganham presentes dos homens, das que transariam com
qualquer pessoa que as quisesse, das putonas, das putinhas, das mulheres de
buceta sempre seca, das que são barrigudas, das que queriam ser homens, das que
sonham em ser atrizes pornô, das que não dão a mínima para os caras mas que se
interessam pelas suas amigas, das que tem bunda grande, das que tem pelos duros
e bem pretos e que não se depilam, das mulheres brutais, barulhentas, daquelas
que quebram tudo o que encontram pela frente, das que não gostam de
cosméticos, das que usam batom excessivamente vermelho, das que são muito feias
para se vestirem como gostosonas mas que morrem de vontade de faze-lo, das que
querem usar roupas masculinas e barba na rua, das que querem mostrar tudo,
daquelas que são pudicas por serem complexadas, das que não sabem dizer não,
das que são presas para que possam ser domesticadas, das que dão medo, das que
provocam pena, das que não provocam inveja, das que tem a pele flácida, cara
cheia de rugas, das que sonham em fazer um lifting, uma lipoaspiração, uma
plástica de nariz mas que não tem dinheiro para tanto, das que estão acabadas,
das que não tem nada que as proteja a não ser elas mesmas, das que não sabem
proteger, das que são indiferentes aos filhos, dessas que gostam de beber nos
bares ate caírem no chão, das que não sabem manter as aparências.” (DESPENTES,
2016, 9-10)
Essas
são as mulheres reais. As mulheres reais até podem gostar de cozinhar para o
companheiro, mas às vezes estão cansadas para isso e desejam comer fora; sabem
que o trabalho doméstico é cansativo e não ficam tentando fazer com que as
mulheres engulam que não é. Limpar banheiros não é tão divertido quanto parece,
meninas. As mulheres que optaram por ter filhos, mas sabem que a maternidade
não é essa idealização toda que fazem. Amamentar dói, sangra, machuca também.
Aquelas que estão casadas e fazem bodas de casamento, mas que já superaram violências, traições e alcoolismo do marido, porque casar
não é só uma promessa de felicidade eterna, também traz muito sofrimento. Posar
de esposa feliz o tempo inteiro soa um tanto quanto hipócrita. As mulheres que
tem sexo dentro do casamento, mas sabem que com o tempo ele esfria, que nem
sempre se está com vontade de fazer, que pegaram doenças sexualmente
transmissíveis dos próprios maridos (apesar de não terem uma vida tida como
promíscua e de terem casado virgens), que optaram não ser mães todas as vezes
que tomam anticoncepcional ou usam a camisinha e não forçam a barra dizendo que
maternidade é instinto, que separam, na vida prática, a reprodução da maternidade
sim. Não precisou de um clássico do feminismo para adotar isso na vida prática.
As mulheres que fazem o "sexo socialmente aceitável", mas adoram falar sobre
sexualidade com as amigas, compartilhar experiências. As mulheres que se
depilam, mas que tem noção de como a depilação dói. As mulheres que se
desdobram para dar uma ótima educação para os filhos. Aquelas, que enquanto
viajam pelo Brasil com suas atividades profissionais tem a diarista em casa,
uma cozinheira, os filhos estão na creche ou na escola. Essas são as mulheres
reais. Não aquelas que parecem mostrar que são do lar o tempo inteiro e que
dedicam integralmente suas vidas ao ambiente doméstico. Aquelas que tentam até
transparecer a pose de uma moça jovem e feliz, mas que sofrem preconceitos
porque se relacionam com homens bem mais velhos.
Isso
porque
..o ideal de mulher
branca, sedutora mas não puta, bem casada mas não nula, que trabalha mas sem
tanto sucesso para não esmagar seu homem, magra mas não neurótica com a comida,
que continua indefinidamente jovem sem se deixar desfigurar por cirurgias
plásticas, uma mamãe realizada que não se deixa monopolizar pelas fraldas e pelos
deveres de casa, boa dona de casa sem virar empregada doméstica, culta mas não
tao culta quanto um homem; essa mulher branca e feliz, cuja imagem nos é
esfregada o tempo todo na cara, essa mulher com a qual deveríamos nos esforçar
para parecer – tirando o fato de que elas devem ficar de saco cheio com
qualquer coisa – devo dizer que jamais a conheci, em lugar algum. Acredito até
que ela nem mesmo exista.” (DESPENTES, 2016, p. 11)