O
tamanho das roupas muda rápido, de modo que já sinto saudade daquelas que você vestia
quando recém-nascido. É o que chamam de saudade aliviada. É um não querer
voltar no tempo, sentir alivio porque já passou e fui forte por chegar até
aqui.
Seu
peso mede o tamanho do nosso cansaço, das nossas dores nos pulsos e nas costas.
Um
filho é algo mais perto do divino que possamos imaginar. É você ter o poder da
criação. É brincar um pouco de ser Deus. É amar alguém mais que a si mesmo. É o
desejo de proteção, de que emane um poder curativo sobre ele, de moldar um ser
humano. Mas você percebe que a redoma é porosa e que você não pode tudo, não tem
controle sobre muita coisa ainda.
Os
dias ruins me fizeram perceber o valor que tem os dias comuns: dias nos quais
posso te carregar nos braços, mudar você de posição, te dar um banho. Enfim,
criar estratégias para ti fazer o bem. Estou aprendendo a ti colocar em
primeiro lugar, mesmo que isso custe meu próprio bem estar. Minha vida gira em
torno de você agora.
Meu
amor, se você soubesse como o mundo dos adultos é complicado, desejaria ser uma
eterna criança! Eu ainda olho para você, que cresce tão rápido, e tenho medo de
toda essa responsabilidade que carrego. Responsabilidade de sustento
financeiro, de ensinar a viver quando nem mesma eu sequer aprendi! Ainda cometo
erros dignos de jardim de infância. Você está aprendendo a viver, mas eu
também! Às vezes sou só uma menina criando um menino. Só queria que você
soubesse que o que eu pude fazer foi o melhor que consegui.
Às
vezes me demoro no banheiro propositalmente. Porque o tempo sozinha agora é
algo escasso e eu preciso dele. A desculpa do banheiro é para fugir um pouco da
função que pesa. Às vezes eu só queria desligar-me por alguns minutos que
sejam, só eu e o nada. Não fosse a mão de Deus em tudo, te confesso que já
teria pirado. Sinto que Ele me capacita todo dia mais um pouco.
Quanto ao fim da licença de quatro meses: definitivamente não é suficiente!
Uma
vez ouvi que cada fase é um desafio diferente. Não dei tanto valor porque imaginei:
o que pode ser mais pesado que o primeiro mês? E esses novos desafios vinheram:
os dentes, seu enjoo por causa disso, a sensação de que minha vida acabou
porque já não faço quase nada direito. Como comida gelada em pé de olho nos
seus rápidos cochilos que me dão rápidos descansos. Quando chega a noite, tendo
planejado o dia todo para estudar, eu só consigo deitar na cama e dormir
exausta. O notebook, os livros da tese e as apostilas dormem ao meu lado. Três banhos
por dia é um luxo. Banhos demorados, então, nem se fala! A casa muitas vezes
fica uma zona ao meu redor. Qualquer pessoa que entrasse diria ser um ambiente
insalubre para crianças. Não posso fazer nada diante disso!
Aprendi
que com crianças não se planeja nada. Seus planos podem ir abaixo em poucos
segundos. É estar sempre à disposição para ter que sair de casa às pressas, ter
uma bolsa preparada, pensar sempre num plano b, estar disposta a sair de onde
estiver para atender o chamado de socorro de um filho. É querer ter momentos de
folga dele, mas, ao sair, não parar de pensar um segundo sequer naquele
rostinho lindo sorrindo e ter certeza de que não pode mais viver sem ele.
Entender
que não preciso levar tão a sério alguns conselhos de médicos, por exemplo:
sobre bicos, remédios e passeios. No cálculo frio da medicina não entra o
consolo de um bico para dormir, para lembrar a mama que não deu certo, para
curar a irritação. Também não entra o remédio que alivia o desconforto do
nascimento dos dentinhos. Não entra na conta o passeio como a saída de uma mãe
da clausura doméstica, um conforto para sentir-se ainda vivente do planeta
Terra, saudosa de gente e, de quebra, um filho mais sonolento quando volta para
casa. Um cachorrinho que arranque dele as melhores gargalhadas.
Vou
criando estratégias para tornar toda essa rotina menos desgastante. Tomo tanto
banho de sol quanto você, danço com você, canto e aprendo cada musiquinha. O lúdico
voltou para a minha vida! O magico, a fantasia, a lenda, os contos de fada, os
desenhos e a esperança. Algumas dessas músicas fazem todo o sentido na minha
vida de adulta e explicam um pouco do que sou hoje. Preciso mergulhar no que você
faz e reaprender a ser um pouco criança novamente. Então as músicas que giram
na minha cabeça são as suas.
Maternidade
não é magia, é muito sofrimento. Coisas que o facebook não mostra e as pessoas não dizem. Fico sugando
de mim sentidos mais profundos de toda essa experiência. Não espero nem quero
esperar gratidão, embora eu mereça. Se assim o fosse, sua dívida comigo seria
eterna!
Aprendi
que o que te faz rir não são os brinquedos mais caros, mas punhos de rede,
batidas de travesseiro na cama, blusas coloridas e corridas do seu cachorrinho
pela casa.
Começamos
a ganhar o mundo!
Quando
penso que estou capacitada para você, vem algo me mostrar minha impotência.
Para
cada mês que passa, poderei olhar para trás e perceber o quanto fui forte. Isso
me consola. Parece que lá do alto Deus diz: preciso armar as mães com uma armadura
forte.
Escrevo
para extravasar, para dar sentido, para aliviar, para encontrar outras mães na
mesma sintonia e para não pirar. Vejo outras mães, em outras fases da
maternidade, que conseguem fazer coisas que eu gostaria e deveria estar fazendo
e sinto uma ponta de inveja. Contudo, sei que não é mais o momento e só me
resta aceitar e esperar o meu momento também. Aceitar o inevitável da vida. Escolher
se na hora que você dorme eu descanso, estudo, limpo alguma coisa. Saber que a
escolha que eu tomar deixará todo o resto de pernas para o ar. Aceitar que pelo
melhor que eu faça, você passará por situações inevitáveis da vida como dor,
doença ou desassossego. Orar baixinho quando sentir algo sobrenatural de alguém lançado
sobre você. Aceitar com mais serenidade isso que tem relação com aceitar que
somos feitos da mesma carne humana perecível e frágil. Aceitar que a redoma é
porosa. Aceitar que já não sou mais eu, que eu não venho em primeiro lugar na
maioria esmagadora das vezes, que você é minha sombra e também meu combustível na
vida. É o que me faz ficar em pé ainda que não tenha forças. A escolha que não posso
abdicar para construir forças de onde não tenho para manter-me sã, saudável, viva
e forte. Porque até adoecer parece que não posso. Quando estou fraca é que
preciso me fazer forte.