Desde pequena eu gostava da cor rosa. Quando adulta, isso não
mudou. Hoje meu uso da cor é consciente de que não é de mulher, porque cor não tem
sexo.
Quando entrei na docência, percebi que muitas alunas
disputavam comigo, certas vezes sem saber que estavam disputando. A disputa
aparecia na forma de uma antipatia gratuita, nos risinhos entre elas, no
incomodo claro de ter uma professora que “tinha cara de aluna” e não “de professora”,
como muitas vezes ouvi; nas conversas insistentes durante as aulas, nas batidas
fortes na porta, nas fofocas maldosas, nas piadas que eu fingia não ouvir, nos
comentários desrespeitosos, no assédio. Não as culpo, pois somos educadas a concorrermos
entre nós desde criança. Aprendemos isso nas novelas, nos filmes, nas músicas.
É cultural, endêmico. A menina que disputa para ser a mais popular, a esposa
que briga com a amante, a namorada que briga com a garota que dá em cima do boy
e assim o patriarcado se mantêm, alimentado pela nossa concorrência.
A “tia” faz parte de um universo de escola primária e ela é
representada como a moça boazinha, meiga, maternal. Incomum é professora no
ensino superior. A sociedade não espera e nem está preparada para encontrar uma
mulher na política, na direção de um ônibus, na construção civil e na docência
no ensino superior.
Uma das minhas interlocutoras de pesquisa me ensinou algo
interessante. Ela disse, a partir de experiência própria, que é difícil ser a mulherzinha
em espaços de militância política, nos movimentos sociais, na Academia, em
partidos políticos. Você precisaria incorporar elementos que remetem à
masculinidade para ser aceita, respeitada (por homens e mulheres):
racionalidade, tom de voz por vezes autoritário, falar mais alto que os outros.
Preferi pegar o caminho inverso para insistir na ideia de que sim, é possível
uma “mulherzinha” nesses espaços. Então, antes era só uma questão de gosto,
hoje é uma questão política também, uma política inscrita no meu corpo.
Hoje meu uso da cor rosa é político. Eu me monto com a cor
rosa, sapatos de plástico, maquiagens, batons, laços no cabelo. Espera-se de um
professor que ele seja homem, mais velho, estritamente racional e distante dos
alunos. De mim podem esperar uma professora com cara de menina (porque isso,
por mais que eu tente, não posso mudar), meiga (porque jeito também é difícil de
mudar e eu prefiro a meiguice do que a dureza de personalidade), sorrisos
soltos, gentilezas, uma mulher que usa pastas de bolinhas. Insisto: uma
mulherzinha também pode ocupar a sala de aula, a docência, a Academia e a
militância. É possível exercer autoridade e respeito em cima do salto alto cor
de rosa choque. Afinal, autoridade é bem diferente de autoritarismo.




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