segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Ser a professora "mulherzinha"

Desde pequena eu gostava da cor rosa. Quando adulta, isso não mudou. Hoje meu uso da cor é consciente de que não é de mulher, porque cor não tem sexo.



Quando entrei na docência, percebi que muitas alunas disputavam comigo, certas vezes sem saber que estavam disputando. A disputa aparecia na forma de uma antipatia gratuita, nos risinhos entre elas, no incomodo claro de ter uma professora que “tinha cara de aluna” e não “de professora”, como muitas vezes ouvi; nas conversas insistentes durante as aulas, nas batidas fortes na porta, nas fofocas maldosas, nas piadas que eu fingia não ouvir, nos comentários desrespeitosos, no assédio. Não as culpo, pois somos educadas a concorrermos entre nós desde criança. Aprendemos isso nas novelas, nos filmes, nas músicas. É cultural, endêmico. A menina que disputa para ser a mais popular, a esposa que briga com a amante, a namorada que briga com a garota que dá em cima do boy e assim o patriarcado se mantêm, alimentado pela nossa concorrência.



A “tia” faz parte de um universo de escola primária e ela é representada como a moça boazinha, meiga, maternal. Incomum é professora no ensino superior. A sociedade não espera e nem está preparada para encontrar uma mulher na política, na direção de um ônibus, na construção civil e na docência no ensino superior.


Uma das minhas interlocutoras de pesquisa me ensinou algo interessante. Ela disse, a partir de experiência própria, que é difícil ser a mulherzinha em espaços de militância política, nos movimentos sociais, na Academia, em partidos políticos. Você precisaria incorporar elementos que remetem à masculinidade para ser aceita, respeitada (por homens e mulheres): racionalidade, tom de voz por vezes autoritário, falar mais alto que os outros. Preferi pegar o caminho inverso para insistir na ideia de que sim, é possível uma “mulherzinha” nesses espaços. Então, antes era só uma questão de gosto, hoje é uma questão política também, uma política inscrita no meu corpo.




Hoje meu uso da cor rosa é político. Eu me monto com a cor rosa, sapatos de plástico, maquiagens, batons, laços no cabelo. Espera-se de um professor que ele seja homem, mais velho, estritamente racional e distante dos alunos. De mim podem esperar uma professora com cara de menina (porque isso, por mais que eu tente, não posso mudar), meiga (porque jeito também é difícil de mudar e eu prefiro a meiguice do que a dureza de personalidade), sorrisos soltos, gentilezas, uma mulher que usa pastas de bolinhas. Insisto: uma mulherzinha também pode ocupar a sala de aula, a docência, a Academia e a militância. É possível exercer autoridade e respeito em cima do salto alto cor de rosa choque. Afinal, autoridade é bem diferente de autoritarismo. 

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